quarta-feira, 4 de março de 2015

Alfabetização: qual o melhor método?

Para o neurocientista português José Morais, professor da Universidade Livre de Bruxelas e doutor em Desenvolvimento da Cognição e Psicolinguística, não é possível afirmar qual é a melhor forma de se aprender a ler e a escrever.




Fonte: Revista Profissão Mestre
http://www.profissaomestre.com.br/index.php/reportagens/entrevistas/1186-alfabetizacao-qual-o-melhor-metodo

Nesta entrevista concedida à Ilona Becskeházy, consultora da área de educação, colunista da Gestão Educacional e comentarista do boletim Missão Aluno, da rádio CBN, Morais aborda as linhas gerais do processo de aprendizagem que decorrem dos atuais conhecimentos científicos e avalia questões práticas de alfabetização, como a importância de se ler para crianças pequenas e as características que diferenciam os métodos fônico e construtivista de alfabetização. Para o especialista português, não há idade certa, do ponto de vista cognitivo, para se alfabetizar uma criança. Porém, ele critica a definição, por parte do governo brasileiro, de alfabetização aos 8 anos: “para a maioria das crianças, pôr a meta da alfabetização aos 8 anos é ou um grande erro ou um grande crime e, de qualquer modo, nega [à criança] um de seus direitos fundamentais”. Morais esteve no Brasil em agosto de 2014 para participar do VII Seminário Internacional, promovido pelo Instituto Alfa e Beto (IAB), em Belo Horizonte (MG). Confira a seguir a entrevista com o educador.
Profissão Mestre: Qual a melhor forma de se aprender a ler e a escrever?
José Morais: Não é possível responder a essa pergunta de maneira detalhada. O que posso enunciar são as linhas gerais do processo de aprendizagem que decorrem dos atuais conhecimentos científicos. Nossos alunos aprendem a ler e a escrever no sistema alfabético de escrita. Ora, os caracteres do alfabeto, separadamente ou em pequenas combinações, representam os fonemas da língua. Os fonemas não são sons – ao contrário do que muitas pessoas pensam –, mas sim unidades fonológicas abstratas. Por exemplo, as sílabas “bi” e “bu” são sons e cada um deles resulta da coarticulação de dois fonemas, de tal modo que o começo do som, influenciado tanto pela consoante quanto pela vogal, é diferente nas duas sílabas. Dito de outro modo, não há segmento acústico que corresponda à consoante “b”. A criança tem de abstrair o fonema por meio de sua correspondência com o grafema (geralmente começa-se por grafemas simples, isto é, constituídos por uma só letra). A tomada de consciência da fala como uma sequência de fonemas faz-se por meio do confronto com a escrita alfabética em atividades apropriadas, propostas pelo professor ao aluno. Depois disso, há uma longa fase – cerca de um ano – de aprendizagem da decodificação (na leitura) e de codificação (na escrita), em que é necessário levar em consideração as regras do código ortográfico da língua, em nosso caso, do português. A prática da leitura e da escrita, acompanhada pelo professor, é necessária para tornar esses processos, que já permitem uma leitura e uma escrita autônomas, cada vez mais eficientes em precisão e rapidez. O sucesso encontrado na aplicação desses processos conduz, pouco a pouco, à constituição de um léxico mental ortográfico, isto é, a um conjunto de representações memorizadas das palavras conhecidas. São essas representações que serão utilizadas de maneira automática na leitura e na escrita. Enquanto, por exemplo, na leitura, a decodificação se faz de maneira intencional e sequencial da esquerda para a direita, na leitura automática a representação das letras da palavra é acessada em paralelo.
Profissão Mestre: Por que ler em voz alta para bebês e crianças pequenas ajuda no processo de alfabetização antes mesmo deste ser iniciado formalmente?
Morais: Por várias razões. Se interagirmos de maneira apropriada com a criança, mostrarmos o que se está lendo, interrogá-la e solicitarmos suas reações, a criança vai compreender que a escrita representa a língua oral, vai tomar conhecimento de características importantes das palavras escritas e dos textos, vai adquirir novas palavras, e vai enfim, assimilar formas gramaticais que não são correntes durante a comunicação oral e aprender a extrair sentido desses enunciados. Além desses aspectos essencialmente cognitivos, há aspectos afetivos, motivacionais e de interação social (na “leitura partilhada” feita e dirigida pelos pais, essa interação envolve seus seres mais queridos) que também são muito importantes para que a criança valorize a leitura e os livros.
Profissão Mestre: Qual a importância do vocabulário no processo de alfabetização? O conhecimento prévio (oral) de palavras, mesmo que erradas, ajuda ou atrapalha na hora de alfabetizar?
Morais: Ajuda, com certeza. Mas convém que o conhecimento das palavras não seja errado. Dou-lhe um exemplo de tentativa de leitura (por decodificação) de uma criança francesa. Em um texto de receita de cozinha proposto em aula, havia a palavra lard, que corresponde a presunto. Ela a decodificou lentamente, mas seguramente até o “d”, que pronunciou. Só que, em francês, o “d” final, em geral, não se pronuncia. Ela deu-se conta de que sua leitura estava errada porque conhecia essa palavra e corrigiu sua própria leitura e disse lar. Seu conhecimento do vocabulário serviu-lhe, portanto, para aprender a ler corretamente essa palavra, e é provável que, com mais experiências, isso tenha contribuído para ela adquirir a regra geral de não ler o d final. Posso acrescentar que a fluência é melhor em leitura oral de listas aleatórias de palavras do que em leitura oral de pseudopalavras (isto é, formadas segundo as regras de constituição das palavras, mas que não existem em nosso léxico porque este não esgota todas as combinações legais). Isso é verdade tanto para a criança que aprende a ler como para o adulto leitor hábil.
Profissão Mestre: Qual sua opinião sobre a escolha do governo brasileiro em estabelecer 8 anos de idade como “idade certa” para alfabetizar?
Morais: Não há idade certa do ponto de vista cognitivo. A “idade certa” de 8 anos como meta da alfabetização elementar nas escolas públicas é a idade certa para reproduzir as diferenças sociais, porque filho de pobre ou remediado que vai para a escola pública vai ter (pelo menos) dois anos de atraso em relação ao filho de rico ou de intelectual que vai para colégio particular e estará alfabetizado aos 6 anos. “Idade certa” é uma expressão que só tem sentido ao se precisar para quê e para quem, sendo, no entanto, certo que, para a maioria das crianças, pôr a meta da alfabetização aos 8 anos é ou um grande erro ou um grande crime e, de qualquer modo, nega [à criança] um dos seus direitos fundamentais.
Profissão Mestre: Qual a diferença entre alfabetização e literacia?
Morais: Como literacia é uma qualidade e alfabetização um processo, deixe-me distinguir entre alfabetismo e literacia. Em primeiro lugar, literacia é mais vasto que alfabetismo, porque se pode ser letrado sem ser alfabetizado. Isso acontece em muitos países do mundo em que só se aprendeu a ler em um sistema de escrita que não é o alfabeto. Em segundo lugar, literacia refere-se em geral a um nível mais aprofundado da habilidade de ler e escrever em um sistema alfabético e de uso produtivo dessa habilidade.
Profissão Mestre: Resumidamente, quais as características que diferenciam os métodos fônico e construtivista de alfabetização?
Morais: O método construtivista (seus defensores falam de uma filosofia) parte do postulado de que se pode aprender a ler naturalmente, como se a escrita fosse uma língua. Já o método fônico reconhece a escrita como uma representação da linguagem oral e, por isso, propõe um ensino sistematizado. O método construtivista pretende partir do sentido das palavras escritas, enquanto o método fônico parte da constatação de que, se não se dispõe de um mecanismo que permita identificar todas as palavras escritas e não só algumas dezenas ou mesmo centenas, não é possível atingir o sentido delas nem ler palavras que se encontrem pela primeira vez. Contrariamente ao método fônico, o método construtivista não reconhece o fato de o alfabeto ser um código, de ele permitir a codificação (na escrita) dos fonemas, unidades abstratas constituintes da fala, e, por conseguinte, também sua decodificação (na leitura), assim como não reconhece a necessidade de ensinar e de insistir na prática intensa desses mecanismos pelo aluno. O problema principal está no fato de que o construtivismo, tal como é aplicado às questões da leitura e da escrita, resulta de uma crença e ignora totalmente os avanços da ciência; quando se lê os textos construtivistas, tem-se a impressão de que a ciência da leitura não existe.
Profissão Mestre: Por que os construtivistas “acusam” os adeptos do método fônico de não permitirem que os alunos deem sentido às palavras que aprendem?
Morais: É uma estranha acusação, porque os adeptos do método fônico nunca defenderam isso. É importante os alunos entenderem o sentido das palavras que aprendem. Não de lhes “dar” sentido, claro, visto que as palavras têm o sentido que resulta da história e do uso da língua, mas de entender corretamente o sentido delas e de aprender a utilizá-las com o sentido que têm. Obviamente, isso não impede a extensão criadora de sentido, desde que se tenha consciência de que se vai além do sentido usual.
Profissão Mestre: Há diferença no processo cognitivo mobilizado na alfabetização de crianças e na de adultos?
Morais: Não sabemos ainda com exatidão. A diferença não deve ser grande, porque é possível alfabetizar adultos até de idade já avançada. É difícil comparar porque as relações sociais, as motivações e o padrão de aquisições cognitivas de cada indivíduo são muito diferentes. Também o processo de alfabetização se faz em condições muito diferentes nos dois casos. Pode acontecer que o adulto recorra mais, ou durante mais tempo que a criança, a processos de atenção sequencial na leitura das palavras, mas é muito difícil verificar isso sem um estudo experimental que seria exageradamente longo e oneroso e que se justificaria mais por razões teóricas que práticas.
Profissão Mestre: É possível (e recomendável) aprender a ler e a escrever em mais de um idioma ao mesmo tempo?
Morais: Não diria exatamente ao mesmo tempo, mas não vejo problema que isso aconteça quase simultaneamente, desde que seja em momentos separados, visto que os códigos ortográficos nunca são completamente os mesmos. Isso acontece em países bilíngues e não tem suscitado problemas.

terça-feira, 3 de março de 2015

O ensino de música mundo afora

Falta de estrutura e professores capacitados deixa Brasil longe de cumprir meta de universalizar essa arte nas escolas. Em outros países, a área avançou muito mais




Fonte: Gazeta do Povo

Obrigatório nas escolas públicas desde 2012, o ensino de música anda a passos lentos no Brasil. O maior entrave é a falta de estrutura: instrumentos musicais e professores com capacitação técnica para lecionar este campo da arte não só com qualidade, mas com atributos pedagógicos adequados. Em países em que esta etapa já foi vencida, o desafio passa a ser o que ensinar e com qual propósito.
Os franceses são grandes responsáveis por técnicas arrojadas e inovadoras no ensino da música. Mas na hora de ensinar suas crianças, a França é tradicionalista: o canto é afinado ao modo ocidental e os instrumentos são classificados conforme a divisão da orquestra sinfônica, conta o professor de música da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Guilherme Romanelli.
Já na Argentina, a música é uma das disciplinas obrigatórias na Educação Artística desde o ensino primário, segundo informações do Ministério da Educação local. No equivalente ao ensino médio, os alunos cursam nos primeiros anos um ciclo comum e depois partem para uma espécie de ensino técnico. Entre os diplomas disponíveis, está o de Bacharel em Artes. Além das disciplinas tradicionais, o aluno foca no estudo de quatro grandes áreas artísticas: música, teatro, literatura e danças.
Os norte-americanos são mais performáticos. Nos Estados Unidos, o que prevalece “é a ideia do caça-talentos. Se você tiver jeito para a música, vai tocar. Se não, desista. Porque você não vai aprender mesmo”, resume Guilherme Romanelli.
Estudioso da forma como as crianças produzem música (obrigadas ou não) na escola, o professor considera emblemático o caso da Lituânia, no Leste Europeu. “Cantar e dominar a música folclórica, para eles, é tão importante quanto é o futebol para uma criança brasileira”.
O tradicionalismo francês é ainda mais forte em seus vizinhos da Suíça. E era mais ainda há três décadas atrás, quando Edith Camargo começava seus estudos em uma escola pública na região de St. Gallen, no Leste do país. O currículo era rigoroso: aulas de canto uma vez por semana, dos menores aos maiores.
Há vinte anos, Edith veio para Curitiba fazer um curso de Música Popular Brasileira e por aqui se estabeleceu. A experiência como professora de canto e a paixão pela MPB faz com que ela tenha um olhar menos pessimista em relação à situação da musicalidade local. “A criança brasileira é muito livre, você vê ela sambando, se desenvolvendo corporalmente. Na educação musical escolar, isso é um ingrediente muito rico. Prova disso é que temos muito instrumentistas com ouvido ótimo e que só depois vão aprender [no ensino formal]”.

Lei não obriga que professor seja especializado na área


Naiady Piva

Uma das polêmicas na regulamentação do ensino de música no Brasil é a obrigatoriedade de que o professor da área seja bacharel em Música, o que não consta na legislação atual. O arte-educador Nélio Sprea lamenta. “O especialista conhece o universo da experiência musical [e pode] trabalhar com uma proposta de construção do conhecimento em música. Vai bem além do que um professor generalista pode fazer”, defende.

Um dos problemas é de ordem prática. Formar professores de música para as vagas do ensino público nacional levaria 140 anos, com o número de graduações que hoje existem, segundo o professor Guilherme Romanelli, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Outro é conceitual. Romanelli defende não um professor, mas um tutor musical para os anos iniciais do ensino fundamental e o ensino infantil.

Como a “música é a linguagem natural das crianças, a primeira aprendizagem, que já começa três meses antes de ela nascer”, ela não pode estar restrita a uma disciplina, mas deve perpassar a totalidade do ensino nesta fase, defende Romanelli.
Sobre esta dinâmica da música na amplitude do espaço escolar, Sprea concorda. “É preciso trabalhar uma proposta de construção do conhecimento em música”, que inclui saber brincar com a criança, trabalhar de uma maneira prazerosa.

“Se o professor de música não desperta paixão, vai ter a mesma dificuldade do professor de matemática [em conquistar a turma]”, argumenta.

Especialistas dos Brics debatem formas de aprimorar educação

Especialistas em educação e representantes dos governos do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul reuniram-se para debater propostas de cooperação multilateral.




Fonte: MEC

O grupo que tratou da educação superior discutiu a criação da rede de universidades do Brics, a formação de uma liga de universidades para desenvolver projetos de pesquisa conjuntos e a intensificação da mobilidade acadêmica de professores, pesquisadores e estudantes do bloco. O grupo propôs aos vice-ministros de educação uma agenda de encontros para detalhar os termos da cooperação multilateral, identificar as áreas de maior interesse comum e as universidades com trabalho relevante nesses setores. Em princípio, essas áreas seriam qualidade educacional, mudanças climáticas,  desenvolvimento sustentável e segurança nutricional, entre outras.
Estão previstos novos encontros desse grupo para os dias 25 a 29 de abril, em Cuiabá, meados de maio, em São Petersburgo, na Rússia, e em outubro, em Pequim, na China, quando será lançada a Liga de Universidades do Brics.
Para a vice-diretora de relações internacionais da Universidade da Rússia para a Amizade entre os Povos, Olga Andreeva, a cooperação entre os países do Brics permite que governos e instituições de educação superior desenvolvam estratégias coordenadas. “Estamos avançando na identificação das áreas de interesse comum e discutindo os critérios para a composição da Rede de Universidades dos Países do Brics. Ao mesmo tempo, estamos discutindo quais os novos passos a serem dados para promovermos a rede”, disse.
Na área de educação profissional, foram encaminhadas propostas para a criação de um grupo de trabalho para o levantamento de dados jurídicos, estatísticos e da formação de professores da educação profissional e tecnológica nos Brics. O grupo também propôs o compartilhamento de conceitos, métodos e instrumentos de análise da oferta e demanda de educação profissional para suprir as vocações econômicas e tecnológicas de cada país.
Avaliação – Depois de tomar conhecimento dos sistemas nacionais de avaliação de cada país do Brics, os especialistas do grupo de indicadores educacionais reconheceram a importância da avaliação para a melhoria das políticas na área. Além disso, enfatizaram a necessidade de incrementar a cooperação para partilhar as melhores práticas em avaliação educacional. Também falaram sobre a importância de compartilhar experiências para diminuir o fosso entre teoria e prática em termos de políticas educacionais. Sugeriram, ainda, que cada país deve criar grupos de trabalho com representantes dos órgãos nacionais de estatística, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e os ministérios de educação e saúde para melhorar e trabalhar novos indicadores sociais tendo em vista publicações conjuntas sobre estatística.
As conclusões dos grupos de trabalho devem embasar a Declaração de Brasília, que será assinada pelos vice-ministros no encerramento do encontro, na noite desta segunda-feira, 2.
Na terça-feira, 3, os vice-ministros da educação dos países do Brics voltam a se reunir, desta vez com a participação de representantes da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Na ocasião, o subdiretor-geral de educação da Unesco, Qian Tang, apresentará o estudo Brics – Construir a educação para o futuro, desenvolvido pela agência sobre a educação nos cinco países do grupo.
Também serão discutidas as possibilidades de cooperação entre a Unesco e o Brics e questões relacionadas à elaboração das metas da Agenda Internacional de Educação pós-2015 e ao Fórum Mundial de Educação, que será realizado na cidade sul-coreana de Incheon, de 19 a 22 de maio próximo.
Assessoria de Comunicação Social do MEC

Indisciplina é um dos principais problemas em escolas, diz pesquisa

Levantamento da Fundação Lemann ouviu mil profissionais do Ensino Fundamental em todo o país



Fonte: Fantástico

Você sabia que a indisciplina dos alunos é um dos principais problemas que os professores enfrentam em sala de aula? Mais até que os baixos salários? Quem diz isso são os próprios professores, em uma pesquisa inédita com profissionais da rede pública de todo o país.
Uma longa jornada. O Fantástico vai acompanhar o dia da professora de ciências Simone Medeiros, no Rio de Janeiro. Às 6h30 da manhã, ela sai de casa, na Penha, Zona Norte da cidade, para a primeira aula, em uma escola de ensino fundamental, no bairro vizinho de Ramos.
No intervalo, às 9h30, planejamento para as aulas seguintes. O almoço, ao meio-dia, é rápido, na cantina, com os colegas. Às 13, começa o segundo turno.
Às 17h50, o dia de Simone ainda não acabou. Ela vai para uma outra escola, onde vai dar aula no turno da noite. “Estou bastante cansada”, confessa Simone.
A rotina de Simone ajuda a entender os resultados de uma pesquisa inédita sobre o trabalho dos professores da rede pública. O levantamento da Fundação Lemann ouviu mil profissionais do ensino fundamental em todo o país. E revelou o que os nossos mestres consideram como os maiores problemas para melhorar a educação.
Para Simone, a carga horária exaustiva é só uma das dificuldades.“Você tem que largar um pouco o conteúdo para você trabalhar outras questões. Questões afetivas, questões de família, a questão da violência. Você está, às vezes, trabalhando em um ambiente que você está ouvindo tiro”, conta Simone.
A falta de acompanhamento psicológico para os estudantes é apontada como o problema que precisa ser resolvido de forma mais urgente. Em uma noite, a aula da Simone acabou mais cedo porque havia um tiroteio perto da escola.
“É frustrante, né? A gente diminui muito o que a gente ia trabalhar com eles”, diz Simone.
Um dos maiores desafios dos professores é compreender e lidar com a realidade que os alunos enfrentam do lado de fora da escola. Os conflitos e os dramas das comunidades em que eles vivem cruzam os portões e chegam dentro das salas de aula das escolas brasileiras.
“Lógico que saber o conhecimento, saber o conteúdo para passar ele de forma correta, é fundamental. Mas não é só isso. É muito mais. Na hora que a gente chega na sala de aula a gente percebe. A gente não está preparado para esse muito mais”, explica a professora de matemática Rosania Silva.
Rosania tem 12 anos de profissão. Dá aulas de matemática para cinco turmas, em uma escola no bairro Jardim Itapura, Zona Sul de São Paulo.
Ela convive diariamente com o segundo maior problema apontado pelos professores na pesquisa.“Uma das maiores dificuldades que a gente encontra hoje na sala de aula é a indisciplina. De diferentes maneiras que ela pode se manifestar. Para o meio que o aluno vive, não considerando só o ambiente da escola, mas fora dela, aquilo é comum. A gente leva tempo, acaba atrapalhando a aula”, conclui Rosania.
“Quando a gente faz a formação de professores no Brasil, a gente não forma ele para sala de aula. A gente não prepara esse professor para lidar com a indisciplina. Então ele tem que descobrir tudo isso na hora em que está lá, dentro da sala de aula, com 30, 35, 40 alunos, sem preparo”, avalia Denis Mizne, diretor-executivo da Fundação Lemann.
Thioni Carreti tem 26 anos. É professora de ciências há três, em uma escola em Cidade Leonor, também na Zona Sul de São Paulo. E já descobriu que na sala de aula precisa ser mais do que professora.
Thioni Carreti: Quando eu entrei na escola, eu não esperava que eu teria tantos problemas com relação à convivência dos alunos em sala.
Fantástico: Então, você tem que atuar, às vezes, como um conciliadora dentro de sala de aula?
Thioni Carreti: Sim. Uma mediadora de conflitos.
Fantásitco: Isso é muito difícil?
Thioni Carreti: É difícil porque nem sempre você está preparado psicologicamente para lidar com isso.
A diretora da escola onde Thioni trabalha recebe o mesmo retorno de toda a equipe.“A nossa preocupação é: se eu melhoro as minhas condições dentro da escola e abraço e acolho essas crianças aqui, para que eles se sintam pertencentes dessa sociedade na qual eles estão vivendo, essa criança vai melhorar seu aprendizado”, explica a diretora Sarah Correa da Silva.
Mas, essa tarefa não é fácil. Isso porque o atraso dos alunos para aprender o conteúdo, para os professores, é o terceiro problema que precisa ser enfrentado. Na sequência, vem a aprovação de estudantes que ainda não estão preparados para o próximo ciclo. E, em quinto lugar, os baixos salários.
“O debate sobre professor está tão distorcido, a gente só fala do salário, das más condições de trabalho... Mas, o que motiva esse professor a ser professor? Ele quer garantir que seus alunos aprendam”, avalia Mizne.
Na pesquisa, 72% dos professores afirmaram que a contribuição para o aprendizado dos alunos é o que mais traz satisfação. E 65% se disseram satisfeitos com a responsabilidade social do trabalho que fazem.
Na segunda-feira, a Thioni, a Rosânia, a Simone e milhares de professores começam mais uma semana para cumprir a missão de educar.

Prepare-se!